Aquela noite, Marina chegou exausta do trabalho. Como de costume, deixou o leite ferver na panela sob o fogo baixo do fogão e despiu-se para o banho. Primeiro a meia-calça cor da pele, o vestido marrom de pano leve, os brincos e por fim a calcinha. Ainda com os cabelos preso no alto da cabeça, aproximou-se do espelho e percebeu –com certa tristeza – que por mais que se esforçasse, não conseguia se recordar como era o próprio rosto quando tinha quinze anos. Não se lembrava da textura da pele, do formato do nariz, do tamanho da boca.
O leite que fervia na cozinha já começava a transbordar pela panela, Marina correu para desligar o fogo. Em seguida, entrou no banho e ao fechar os olhos, procurou tatear o rosto como uma forma de lembrar-se de si mesma, da textura da pele, do formato do nariz, do tamanho da boca.
Ao sair do banheiro, ainda com os pés molhados deslizando no chão, Marina não relutou em olhar-se novamente no espelho e procurar em si algo que justificasse a solidão que sentia todas as noites. Enquanto tocava as rugas em volta dos olhos – e esticava-se por inteira, fazendo-se parecer as tias que de tão plastificadas pareciam sorrir a todo instante – as lágrimas escorriam no rosto e misturavam-se com os pingos que ainda restavam no corpo e pingavam dos cabelos. Marina chorava porque sempre se sentiu orgulhosa de estar a tanto tempo sozinha com o silêncio dos livros ou o barulho da televisão. E agora, Marina, aos 48 anos, sabia que não eram as rugas ou o tamanho pequeno dos seios as razões de sua solidão. Ela sabia que no fundo o motivo dos dias frios nada tinha a ver com estética. Não poderia se culpar pelo modo sério como se vestia, pela timidez no andar, pois aquilo nada tinha da Marina de 15 anos. Sabia que tudo isso era supérfluo, mutável e adaptável.
Por fora, Marina poderia mudar a qualquer hora, todos os dias. Cortar o cabelo, quem sabe. Engordar, emagrecer, usar salto-alto, vestido, decotes, plumas. Para ela, nada disso importava mais do que descobrir o porquê de sua solidão, dos dias frios, dos braços soltos em noites quentes. Será que tanto desconforto poderia ser justificado pela essência, por aquilo que definia Marina por dentro? Não era o sotaque ou o modo como gesticulava exageradamente, era o jeito tímido, o humor inconstante, a impaciência, ansiedade, a vontade de encontrar alguém melhor, sempre algum homem de costas largas e mãos fortes, aquele mesmo homem que seria alguém amável, tão gentil como seu pai, mais alto e menos sincero que ela mesma – pois, muitas vezes sua franqueza a incomodava.
Marina não entendia o porquê de estar sozinha há tanto tempo, aos domingos, apenas com os livros que herdara do pai. Chegou a imaginar seus dedos perdendo-se nos cabelos macios de um qualquer. Não fez isso por vontade de estar junto a alguém especial, fez por rebeldia, por não entender os dias frios sem abraço apertado.
Agora Marina esguicha-se na janela. Como de costume, procura sentir o vento acariciar-lhe o rosto e assanhar o cabelo como um homem de mãos firmes. O mesmo vento que lhe sobe na espinha, lhe dá calor, lhe faz chegar às pontas dos pés e sorrir. Um sorriso triste, velho de todos os dias, todas as noites. É um sorriso discreto, tímido, de quem espera sem ansiedade nem muita certeza o melhor acontecer no fim do romance que se está lendo. Ela vai para o quarto, apaga a luz e deita. Como de costume, escolhe apenas um dos lados da cama de casal para não se acostumar. No lado direito, o travesseiro repousa com o peso do braço da mulher.
O leite que fervia na cozinha já começava a transbordar pela panela, Marina correu para desligar o fogo. Em seguida, entrou no banho e ao fechar os olhos, procurou tatear o rosto como uma forma de lembrar-se de si mesma, da textura da pele, do formato do nariz, do tamanho da boca.
Ao sair do banheiro, ainda com os pés molhados deslizando no chão, Marina não relutou em olhar-se novamente no espelho e procurar em si algo que justificasse a solidão que sentia todas as noites. Enquanto tocava as rugas em volta dos olhos – e esticava-se por inteira, fazendo-se parecer as tias que de tão plastificadas pareciam sorrir a todo instante – as lágrimas escorriam no rosto e misturavam-se com os pingos que ainda restavam no corpo e pingavam dos cabelos. Marina chorava porque sempre se sentiu orgulhosa de estar a tanto tempo sozinha com o silêncio dos livros ou o barulho da televisão. E agora, Marina, aos 48 anos, sabia que não eram as rugas ou o tamanho pequeno dos seios as razões de sua solidão. Ela sabia que no fundo o motivo dos dias frios nada tinha a ver com estética. Não poderia se culpar pelo modo sério como se vestia, pela timidez no andar, pois aquilo nada tinha da Marina de 15 anos. Sabia que tudo isso era supérfluo, mutável e adaptável.
Por fora, Marina poderia mudar a qualquer hora, todos os dias. Cortar o cabelo, quem sabe. Engordar, emagrecer, usar salto-alto, vestido, decotes, plumas. Para ela, nada disso importava mais do que descobrir o porquê de sua solidão, dos dias frios, dos braços soltos em noites quentes. Será que tanto desconforto poderia ser justificado pela essência, por aquilo que definia Marina por dentro? Não era o sotaque ou o modo como gesticulava exageradamente, era o jeito tímido, o humor inconstante, a impaciência, ansiedade, a vontade de encontrar alguém melhor, sempre algum homem de costas largas e mãos fortes, aquele mesmo homem que seria alguém amável, tão gentil como seu pai, mais alto e menos sincero que ela mesma – pois, muitas vezes sua franqueza a incomodava.
Marina não entendia o porquê de estar sozinha há tanto tempo, aos domingos, apenas com os livros que herdara do pai. Chegou a imaginar seus dedos perdendo-se nos cabelos macios de um qualquer. Não fez isso por vontade de estar junto a alguém especial, fez por rebeldia, por não entender os dias frios sem abraço apertado.
Agora Marina esguicha-se na janela. Como de costume, procura sentir o vento acariciar-lhe o rosto e assanhar o cabelo como um homem de mãos firmes. O mesmo vento que lhe sobe na espinha, lhe dá calor, lhe faz chegar às pontas dos pés e sorrir. Um sorriso triste, velho de todos os dias, todas as noites. É um sorriso discreto, tímido, de quem espera sem ansiedade nem muita certeza o melhor acontecer no fim do romance que se está lendo. Ela vai para o quarto, apaga a luz e deita. Como de costume, escolhe apenas um dos lados da cama de casal para não se acostumar. No lado direito, o travesseiro repousa com o peso do braço da mulher.
4 comentários:
Marina morena, Marina mulher, não importa o nome, o sexo ou a idade. O vazio da cama, a busca desenfreada pelo "encontro", o olhar para além do espelho, as perguntas sem respostas, o excesso de franqueza, o olhar tímido... flagrantes de um estado contínuo de procura e (des)ilusão que a mim, ainda que silenciosamente, dizem tanto. "Marina, você já é bonita com o que Deus lhe deu". Só não pinte esse rosto. Nem de lágrimas, nem de tristeza. Beijo, Edson S.
Perfeito, amo!
Ai! Fiquei emocionada! ehehe :)
definitivamente, você é o grito
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