quarta-feira, 28 de janeiro de 2009

Cheiro de flor

- Qual o seu nome, menina?
- Sônia.
- Sônia do que?
- Sônia Maria.
- Tá. E o resto, Sônia Maria?
-Não tem.
- Como não tem? Todo mundo tem ao menos um sobrenome.
- Pois eu não tenho nenhum. - disse a menina com um vinco na testa.
- Mas era só o que faltava. Você deve estar doidona. É hippie? - indagou o homem de bigodes arqueados.
- Não sou nada.
- Agora essa! - irritou-se o dono da farmácia. - Vai andando, vai... Antes que os clientes comecem a reclamar...
Sônia levantou-se da calçada, onde havia passado a noite anterior, apertou as fivelas da sandália e partiu.
- É uma hippie cheirosa. Cheira a flores. Nunca vi! - disse o balconista.
Enquanto Sônia descia a ladeira, seus quadris balançavam como os de uma dançarina havaiana. Os bêbados da noite anterior aplaudiam a cena aos gritos e assobios. Sônia nem virava para ver a cara dos rapazes. Embora sem rumo, Sônia seguia firme ladeira a baixo. No caminho, passou em frente a uma igreja. O cheiro de Sônia embebedou os fiéis e dizem que foi preciso cancelar a missa daquele dia. O padre ainda tentou rezar o terço sagrado e até trancar os fiéis a chave, na igreja, mas a bebedeira causada pelo perfume da menina deixou a multidão ensandecida. Alguns trocaram carícias ali mesmo, sob os olhos tristes de Cristo. Ninguém jamais ouvira falar da adolescente naquela região. Era um vilarejo distante no Norte do país. Alguns juram que era filha rebelde de pai rico. Outros acreditam que não era parente de ninguém, que era só no mundo. Sônia enfim sumiu no fim da ladeira. No dia seguinte uma febre se alastrou no vilarejo. Chamavam padres para promover procissões - o que de nada adiantava. Alguns dizem que não era febre. Era ressaca da embriaguez causada pelo perfume de Sônia.