terça-feira, 18 de setembro de 2007

Aos sonetos de Vinícius de Moraes

Sentia uma admiração indiscutível pela sedução das flores de plástico. As cores vivas, o cheiro do nada empoeirado e a certeza de que nunca morreriam murchas era um esplendor! Em seu caminho, havia se deparado com milhares de sinceros assumidos. No entanto, apenas se deixava envolver com pessoas de sorrisos largos disfarçando a dor e o repúdio pela miséria do mundo dormindo no quintal de suas casas. Acreditava, a mulher, que os mais sinceros eram verdadeiros canalhas. Os cínicos não. Possuíam sabedoria de mestre para viverem por uma vida inteira fugindo de parecer-se com si mesmos. Os mais honestos acabavam sabendo demais sobre o mundo, portanto viviam menos.
Debruçada na janela do quarto, assistia o amor infantil do beija-flor e o roseiral de flores murchas. Ele acariciava as amantes, vagarosamente. Elas rendiam-se ao coração bandoleiro do amado para morrerem de amor, secas como os galhos do roseiral. O pássaro assistia o adormecer das amadas em plena primavera. Logo, voava na busca desesperada por um lírio ou uma papoula.
A melancolia daquela cena lhe doía o peito. Era como se não lhe restasse mais esperança de amor na primavera. Fazia frio e os pensamentos voavam junto ao pássaro, seu corpo parecia anestesiado com a tristeza daquele breve adeus.
Voltou à clausura do quarto hostil, adormecia no vazio da cama, com os braços vagos e desamparados, sem nem o ar poder abraçar. Deixava-se adormecer a voz do poeta preferido recitando o apelo a mulher amada: “De repente, do riso fez-se o pranto silencioso e branco como a bruma. E das bocas unidas fez-se a espuma e das mãos espalmadas fez-se o espanto. De repente, da calma fez-se o vento que dos olhos desfez a última chama e da paixão fez-se o pressentimento e do momento imóvel fez-se o drama. De repente, não mais que de repente, fez-se de triste o que se fez amante e de sozinho o que se fez contente, fez-se do amigo próximo o distante, fez-se da vida uma aventura errante...”. Enquanto o sol recolhia-se, convidando a companheira lua branda a iluminar casais apaixonados e corações partidos debruçados em janelas frias, lembrou-se de Ulisses. Deitaram-se juntos inúmeras vezes, diversas fizeram amor ao amanhecer, enquanto a lua rendia-se aos encantos do sol. Embolavam-se no lençol e as pernas provocavam um alvoroço, era o balé das pernas insanas se amando debaixo dos lençóis. E suspiravam ofegando de paixão, perdiam-se de amor. Após o sexo, encontraria ali, na pureza do instante passado, o amor recém-nascido, tímido e discreto.
O sentimento era sublime e a fazia pensar que morreria insatisfeita sem aquele homem. Enquanto seus dias se perdiam do amado, ele lhe foi breve. Era o fim! "Sem mais contestações", pensou, a mulher. Naquele instante lhe passou pela cabeça a idéia de jogar-se aos pés do homem implorando que entrelassase os dedos em seus cabelos pela última vez, pensou em fingir-se de louca, tola, de vítima.
A mulher, com o coração sangrando e alma ferida, despedaçou-se de tristeza. Voltou à cama fria e adormeceu. Ela e suas pernas, na calmaria dos lençóis. Do desespero da paixão queimando a pele em brasas a a calmaria do amor discreto, não se sabe o que sobrou.
por Tainá Falcão