sábado, 25 de agosto de 2007

Festa de aniversário

Espalhados pelo salão encontravam-se todos os convidados; engravatados uns e mal vestidos os outro, uma camisa de botão antiga dobrava-se até a altura do cotovelo e os três botões abertos apresentavam a nojeira de cabelos afora da camisa. Todos num esforço desonesto entoando o velho “parabéns para você”, no fingimento de que naquela canção haveria um pouco de desejo de felicidade a pobre anfitriã.
Vitória completava 15 anos no tradicional dia de sol radiante e céu limpo, no cidade de interior Santa Maria. Junto as flores artificiais colorindo o salão e o topete desaforado da mãe, o vestido “bufante” ainda era o mais recomendável para a ocasião. Os convidados transitavam pelo salão com certas peculiaridades. Tia Lucila e seu sorriso de plástico alegavam todas as cirurgias plásticas dos últimos anos. Verônica, uma prima distante, desfilava sob passos apertados e na ponta dos pés, vez ou outra deixaria um brinco ou um acessório de cabelo cair no chão e , com o propósito óbvio de seduzir seu primo Joaquim, remexia-se toda ao ponto dos seios sentirem-se apresentarem-se inquietos, soltos no bustiê vinho. O pai da anfitriã e seu charme Marlon Brandiano, lançavam olhares indiscretos às pernas torneadas de Alice, sua cunhada. Nem jonny walker disfarçaria sua cafajestice.
Chegada à hora do esperado “parabéns”, a menina e seus pais, centralizaram-se no estreito palco no meio do salão. Dentro de alguns instantes a situação tornara-se bizarra aos olhos de Vitória. Pessoas de todos os tipos, velhos e seus cachecóis, crianças e olhares travessos, parentes e seus sorrisos de botox, entoavam à canção sob o julgo de palmas que deixavam a menina desnorteada. Pensava em quão cômico haveria de ser aquela situação. Lembrou-se do vestido de noiva que sua mãe havia lhe dado à honra de guardar para usa-lo em seu próprio casamento.
- Mas que merda. Disse Vitória, quase que para que os outros a escutassem.
Se soubessem que estava grávida seria uma tragédia. Grávida de um rapaz que lhes serviu apenas para desvirginá-la. Nenhum compromisso formal, sentimental, nem se quer lembrava de seu rosto. Lembrava-se que era moreno e calvo mais nada.
Meio aquela confusão de palmas ensandecidas e sorrisos plastificados, a menina pensou em desabafar ali mesmo. Parar de vez com aquela palhaçada de bons desejos. Lembrou-se das missas aos domingos e da raiva que sentia por ter sido escolhida como coroinha da igreja. Não acreditava em uma só palavra daquele padre, sabia que boatos corriam que ele próprio era “virado na peste”, um bebum de primeira. Não acreditava no padre e muito menos naquela festa ridícula. Para ela, aquele era um dia comum, um dia como qualquer outro e a idéia de estar mais velha, grávida e coroinha da igreja a assustava. Não poderia mais portar-se como uma menina de 10 anos que corria para cama dos pais quando sentia medo do escuro. Agora era vistosa e seus quadris já apresentavam a idade que tinha - talvez fosse à gestação.
Fim da música e alguém inicia a cantiga religiosa onde se diz “a Vitória será abençoada porque o senhor vai derramar o seu amor” e todos erguiam as mãos em volta da menina que se parecia sufocada a ponto de revirar os olhos e suar frio. Que vontade lhe deu de berrar aos quatro cantos do salão: “Estou grávida, portanto calem essas bocas estúpidas! ”
Sabia que se descobrissem da gravidez antecipada, não seria mais abençoada, nem por Deus nem por ninguém. Sabia bem, que isto seria um pecado abominável aos olhos de todos e uma vergonha que seu pai levaria ao túmulo. Enquanto a música estendia-se, Vitória entoou um choro descontrolado junto a berros que lhe doíam os próprios ouvidos. Soluçava, gritava, chorava num processo contínuo e a família parecia estática diante daquela cena. Enquanto seu rosto de boneca tornava-se a desfigurar com a maquiagem escorrida, os poucos parentes que restavam no salão procuravam uma forma de sair daquele constrangimento.
Foram retirando-se um a um, até que os berros da menina mandassem embora cada topete metido a besta. Foi levada ao quarto pelos braços de seu pai - o homem não escondia a felicidade que sentia com o término apressado da festa - que lhe disse baixo no ouvido: Em breve, vai precisar de um médico.

por Tainá Falcão

quarta-feira, 1 de agosto de 2007

Surto

De seus cabelos bem arrumados num coque japonês a maquiagem leve que lhe dava um ar juvenil, não se poderia questionar o bastante para saber se eram verdadeiras suas palavras ou se as frases surpreendentes lhe saiam de atos forçados, meticulosamente ensaiados, como nos filmes.
Uma vida medíocre, a qual empurrava com a barriga. Não havia exata certeza das coisas que queria mas, se a perguntasse, uma vez que fosse , o que lhe causava desgosto, lhe diria em alto e bom tom, com o coração sincero que tinha.
De seus pais lhe restaram muitos resquícios, destes marcantes, que se percebe a olho nu.
Não escondia o gosto pelas pessoas tristes e sinceramente antipáticas. Cansava-se rápido de festas e velhos amigos. Eram estas festas, visivelmente, desinteressantes. Centenas, milhares de pessoas, falsamente alegres cobertas por vestes modernas e insensatas, o que lhes davam um ar soberbo, um pouco mais de caridade a vida cretina que, certamente, levavam.
Fingindo-se, muitas vezes, de surda diante das conversas maçantes, goleava o uísque e se imaginava, com certo pavor, desnuda em seu velório,coberta por flores e um cheiro doce empestando o local. Imaginava, não sabia o porque, uma morte simples e elegante. Seria num dia que não acordasse de sua cesta diária e reencontrasse milhares de sorrisos plastificados chorando sem razão. A todo momento perguntava a si mesma se o choro dos amigos seria pela sua morte. Sabe-se bem do sentimento de perda inevitável que é causado com a partida de alguém mas, tornava-se a repetir que aquilo era bastante d
esprezível,realmente, digno de pena, uma vez que é passageiro. Seria o choro,então, jorrado pelo tempo de vida? Sinceramente passava pela sua cabeça ser aquela tristeza continua um vasto sentimento de culpa pelos milhares de cartões de natais não enviados. Voltava a pensar na sua própria inutilidade perante a vida, perante a mediocridade das pessoas.
Era tão curto seu tempo. Pensava, inutilmente, nos compromissos que marcara para amanhã. Pensava que não lhe havia sobrado um escasso minuto para entregar-se ao mar, para deleitar-se junto ao marido, como quando antigamente. Indagou-se, varias vezes, sobre como era irresponsável por isso, não sabia administrar as horas e quando se dava conta estava cansada, deitada ao lado daquele homem que a chamava de minha mulher, um marido que perdia cada dia o significado amoroso e terno da palavra. O marido que se tornava, mais e mais, apenas um marido e uma aliança esquecida em seus dedos magros. Então, pensava , sem rancor, que com o tempo todo amor se tornava uma farsa.
Quando se olhava de perto no reflexo do espelho, lembrava-se de seu rosto quando jovem. Agora, um rosto pálido, esquálido e sofrido de mil amores. Amores que lhe serviam para consolo no fim do dia, serviam para um desabafo infantil ou o êxtase das ridículas discussões amorosas, aquelas que sempre lhe davam um embrulho no estômago. Tantos amores e nenhuma vontade de amar. Não negaria que lhe foram vários no entanto, inúteis e descabidos. Amores que hoje, não lhe fazem falta,quando se deita escassa na grama do jardim e se lembra, com nem tanta ternura, dos amigos e seus sorrisos de plástico, dos tempos em que sonhava com o marido e a casa de campo que nunca existiu. Lembrava-se da vida que jamais ansiou ter, mas que por ironia do destino acabara sendo sua.
- Sua! - Repetia baixo com certa preocupação. Jamais pensou estar tão aprisionada há algo como agora. Jamais ouvira alguém dizer que era seu amor, sua casa, seu amigo, sua vida. Um pronome tão banal que lhe cabia num instante e lhe descabia logo depois. Sentiu-se grata por um minuto, para depois cair em lágrimas e indagando-se que agora, beirando os trinta, ainda questionava-se muito sobre a morte. E lhe vinha na mente uma pergunta insensata que lhe indignava e lhe dizia com nenhum rancor que aquela vida não a pertencia. Sabia bem que desde o momento de seu nascimento esteve aprisionada a mãos de pessoas diferentes, mãos castradores que lhe podavam as alegrias bestas. Lembrou-se que não haveria o que contestar. Bem, sabia ela do tamanho e sua beleza mas, era inevitável que seu marido não caísse nos braços de outras. Sabia que por mais bonita que fosse sua graça perdia-se quando sorria ao mundo aquele sorriso fraco. O sorriso era sincero, um sorriso que dizia ao mundo ; não pertenço a este lugar. Não conseguia fingir-se de contente e achava tudo tão patético ao ponto de parecer, ela própria, uma tola.
Enquanto as lágrimas escorriam, em erupção com o sol do meio dia, ela não se movia por nada neste mundo. Permaneceu estática e filosófica. Pensando naquele domingo calorento que parecia querer lhe queimar o corpo até a morte, a mesma morte que não lhe saia do pensamento. A morte que ela buscava desde já! Sufocava-lhe a vida que levava. Logo o céu tornou-se a esturricar, como que chorasse com o coração da mulher. Misturava-se no céu, o sol e a chuva numa dança a três. Enterrava os dedos na grama molhada até tocarem o solo lameiro. Penetrou-se, profundamente, na grama queimando e esperou em vão ser, completamente, absorvida. Esperou até que suas lágrimas se confundissem com os pingos ríspidos que caiam bruscos lá de cima e assim, pudesse tornar-se parte viva daquele ambiente, em uma nova fase, aquela que renasceria. Esperou, em vão, até tornar-se o sol, a chuva e o céu, todos embalados numa dança a três.

por Tainá Falcão