sábado, 10 de novembro de 2007

O conto dos amantes anônimos

Era noite. O quarto estava escuro e um vento forte entrava pela janela escancarada, revirando as cortinas em agonia. Os olhos ávidos do homem de barba a fazer, passeiam nas curvas do corpo da amada. Ela, debruçada no próprio sono, desperta numa disposição forjada para ceder à rotina do pródigo amor matinal. Entrelaçados, os corpos oferecem caridade ao amor frustrado.
Em um curto instante, o homem e a amada, caem para lados contrários da cama.
Ela chora baixo, esconde o rosto nas mãos. De repente, sente a solidão traiçoeira e o vento frio que os une num abraço desesperado.

As olheiras fundas testemunham o quanto ela sofreu por antecipação. Na noite passada, maquinava o fim e recordava, com certo pavor, das inúmeras vezes em que ela e o melhor amigo do marido, robusto e com cheiro do mar na pele que a excitava em arrepios, roçaram o corpo suado em bica nos lençóis da bodas de prata. Foram ditas palavras sujas sem pudor.
Enquanto arruma as malas, ele lança para a amada, olhares moribundos a pedido de compaixão.
Na terceira semana do fim, ela percebe a manhã cinzenta, vazia sem a vadiagem do amor costumeiro. Como uma felina, se desperta rangendo os dentes e geme ternamente, espreguiçando cada parte do corpo miúdo. Os dias frios, dentro da cidade de céu sujo, resumiam a vida ao ciclo de paixões banais que tivera desde o rompimento. Sem aquele homem da barba mal feita e olhar moribundo tornava-se, aos poucos, insuportável viver.

Ele continua com casos passageiros e paixões inventadas. De nenhuma forma, sente-se culpado pela solidão apressada. Com o passar das noites, ao despertar emaranhado em corpos de formas, cores e curvas variadas, sentiu-se enfadado com a vida que levava, ao ponto de expulsar qualquer mulher que se sentisse acomodada em seu colo. Agora, o homem sentado na mesa de um bar qualquer, assiste ao pôr-do-sol de um domingo nostálgico. Sente-se só. Aos poucos, as lágrimas misturam-se com uísque e gelo derretido. Enquanto, a banda de jazz improvisa o blues, do jeito que ela gostava.


por Tainá Falcão