Gastão mais parecia uma bola de neve estupefante. Ábia adorava vê-lo rolar o pêlo no carpete. Emaranhava-se, num nó de si mesmo, mais parecia sentir-se intrigado com a própria presença. Para a dona, o gato era muito mais interessante do que qualquer um dos homens engravatados que lhe ofereciam felicidade eterna ao pé do ouvido.
Mesmo que os seios sufocados no corpete bem-atado ao corpo, fossem o que havia de mais vistoso numa atriz sem talento, Ábia se portava como uma dama pudica. Jamais se entregou por interesse carnal ou financeiro, varava horas num apartamento fechado a lembrar-se de Gerald Noveliqué, o poeta francês. Era médico diplomado, socialista por simpatia, boêmio por escolha e poeta na maior parte do tempo.
Num domingo pálido de brisa fria, Ábia gargalhava com os anúncios de classificados dos corações solitários. Escrito em francês popular, Gerald Novelliqué procurava dividir o apartamento com alguém que falasse seu idioma. Com as poucas palavras ensinadas por Matié Marié, a professora de piano, Ábia desafiou um francês enrolado. Mesmo que Novelliqué bem soubesse que o esforço era uma tentativa de aproximação, não recusou a proposta. Além do que, o preço tornou-se bastante razoável depois do primeiro encontro. Quando percebeu o grisalho da barba do poeta, Ábia sentiu-se ainda mais atraída. O grisalho lhe dava um ar de sabedoria. Para Ábia, era sinônimo de proteção.
Ábia sentia uma alegria imensurável ao ver aquele homem debruçado na janela, no amanhecer do dia. A presença daquele velho poeta envolvia-a com uma áurea protetora da qual ela desejava jamais desprender-se. Deste modo, sentia-se a melhor das amantes. Em tardes chuvosas Ábia e Novelliqué passavam horas sob a mesma vontade de continuar naquele apartamento mudo por anos. Imaginavam quando se renderiam ao desejo gritante de se amarem no chão do quarto. No desespero daquela vontade incendiante, fariam amor por uma eternidade. Depois, não seria dita uma só palavra que jurasse aquele romance. O silencio consentiria pelos dois.
Ábia esperava pelo dia em que Novelliqué embalaria aquela pobre mulher no leito de seu sofrimento. Enquanto ela chorasse dores de um outro amor, Gerald a envolveria tão precisamente que poderia um furacão devastar aquele apartamento minúsculo no centro da cidade e os amantes continuariam ali, estáticos. Um compartilhando a sofreguidão do outro. Iam fundir-se num só. Quando retornassem à realidade, conscientes de si próprios, desejariam que outra tempestade se encaminhasse logo, pois o desejo de manterem-se atados por uma infinidade era recíproco e assim não haveria mais porque esconder-se nos cantos da casa. Seria necessário que o mundo soubesse que aquela mulher e aquele homem tornaram-se cúmplices!
por Tainá Falcão
Mesmo que os seios sufocados no corpete bem-atado ao corpo, fossem o que havia de mais vistoso numa atriz sem talento, Ábia se portava como uma dama pudica. Jamais se entregou por interesse carnal ou financeiro, varava horas num apartamento fechado a lembrar-se de Gerald Noveliqué, o poeta francês. Era médico diplomado, socialista por simpatia, boêmio por escolha e poeta na maior parte do tempo.
Num domingo pálido de brisa fria, Ábia gargalhava com os anúncios de classificados dos corações solitários. Escrito em francês popular, Gerald Novelliqué procurava dividir o apartamento com alguém que falasse seu idioma. Com as poucas palavras ensinadas por Matié Marié, a professora de piano, Ábia desafiou um francês enrolado. Mesmo que Novelliqué bem soubesse que o esforço era uma tentativa de aproximação, não recusou a proposta. Além do que, o preço tornou-se bastante razoável depois do primeiro encontro. Quando percebeu o grisalho da barba do poeta, Ábia sentiu-se ainda mais atraída. O grisalho lhe dava um ar de sabedoria. Para Ábia, era sinônimo de proteção.
Ábia sentia uma alegria imensurável ao ver aquele homem debruçado na janela, no amanhecer do dia. A presença daquele velho poeta envolvia-a com uma áurea protetora da qual ela desejava jamais desprender-se. Deste modo, sentia-se a melhor das amantes. Em tardes chuvosas Ábia e Novelliqué passavam horas sob a mesma vontade de continuar naquele apartamento mudo por anos. Imaginavam quando se renderiam ao desejo gritante de se amarem no chão do quarto. No desespero daquela vontade incendiante, fariam amor por uma eternidade. Depois, não seria dita uma só palavra que jurasse aquele romance. O silencio consentiria pelos dois.
Ábia esperava pelo dia em que Novelliqué embalaria aquela pobre mulher no leito de seu sofrimento. Enquanto ela chorasse dores de um outro amor, Gerald a envolveria tão precisamente que poderia um furacão devastar aquele apartamento minúsculo no centro da cidade e os amantes continuariam ali, estáticos. Um compartilhando a sofreguidão do outro. Iam fundir-se num só. Quando retornassem à realidade, conscientes de si próprios, desejariam que outra tempestade se encaminhasse logo, pois o desejo de manterem-se atados por uma infinidade era recíproco e assim não haveria mais porque esconder-se nos cantos da casa. Seria necessário que o mundo soubesse que aquela mulher e aquele homem tornaram-se cúmplices!
por Tainá Falcão
3 comentários:
Onde posso encontrar você mulher?!
Não fique acanhada, apenas amo pessoas apaixonadas! henriquermaciel@yahoo.com.br
mande noticias!
Grande Beijo!
amei seus textos!!!
linda e inteligente.
ai do meu coração.
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