Espalhados pelo salão encontravam-se todos os convidados; engravatados uns e mal vestidos os outro, uma camisa de botão antiga dobrava-se até a altura do cotovelo e os três botões abertos apresentavam a nojeira de cabelos afora da camisa. Todos num esforço desonesto entoando o velho “parabéns para você”, no fingimento de que naquela canção haveria um pouco de desejo de felicidade a pobre anfitriã.
Vitória completava 15 anos no tradicional dia de sol radiante e céu limpo, no cidade de interior Santa Maria. Junto as flores artificiais colorindo o salão e o topete desaforado da mãe, o vestido “bufante” ainda era o mais recomendável para a ocasião. Os convidados transitavam pelo salão com certas peculiaridades. Tia Lucila e seu sorriso de plástico alegavam todas as cirurgias plásticas dos últimos anos. Verônica, uma prima distante, desfilava sob passos apertados e na ponta dos pés, vez ou outra deixaria um brinco ou um acessório de cabelo cair no chão e , com o propósito óbvio de seduzir seu primo Joaquim, remexia-se toda ao ponto dos seios sentirem-se apresentarem-se inquietos, soltos no bustiê vinho. O pai da anfitriã e seu charme Marlon Brandiano, lançavam olhares indiscretos às pernas torneadas de Alice, sua cunhada. Nem jonny walker disfarçaria sua cafajestice.
Chegada à hora do esperado “parabéns”, a menina e seus pais, centralizaram-se no estreito palco no meio do salão. Dentro de alguns instantes a situação tornara-se bizarra aos olhos de Vitória. Pessoas de todos os tipos, velhos e seus cachecóis, crianças e olhares travessos, parentes e seus sorrisos de botox, entoavam à canção sob o julgo de palmas que deixavam a menina desnorteada. Pensava em quão cômico haveria de ser aquela situação. Lembrou-se do vestido de noiva que sua mãe havia lhe dado à honra de guardar para usa-lo em seu próprio casamento.
- Mas que merda. Disse Vitória, quase que para que os outros a escutassem.
Se soubessem que estava grávida seria uma tragédia. Grávida de um rapaz que lhes serviu apenas para desvirginá-la. Nenhum compromisso formal, sentimental, nem se quer lembrava de seu rosto. Lembrava-se que era moreno e calvo mais nada.
Meio aquela confusão de palmas ensandecidas e sorrisos plastificados, a menina pensou em desabafar ali mesmo. Parar de vez com aquela palhaçada de bons desejos. Lembrou-se das missas aos domingos e da raiva que sentia por ter sido escolhida como coroinha da igreja. Não acreditava em uma só palavra daquele padre, sabia que boatos corriam que ele próprio era “virado na peste”, um bebum de primeira. Não acreditava no padre e muito menos naquela festa ridícula. Para ela, aquele era um dia comum, um dia como qualquer outro e a idéia de estar mais velha, grávida e coroinha da igreja a assustava. Não poderia mais portar-se como uma menina de 10 anos que corria para cama dos pais quando sentia medo do escuro. Agora era vistosa e seus quadris já apresentavam a idade que tinha - talvez fosse à gestação.
Fim da música e alguém inicia a cantiga religiosa onde se diz “a Vitória será abençoada porque o senhor vai derramar o seu amor” e todos erguiam as mãos em volta da menina que se parecia sufocada a ponto de revirar os olhos e suar frio. Que vontade lhe deu de berrar aos quatro cantos do salão: “Estou grávida, portanto calem essas bocas estúpidas! ”
Sabia que se descobrissem da gravidez antecipada, não seria mais abençoada, nem por Deus nem por ninguém. Sabia bem, que isto seria um pecado abominável aos olhos de todos e uma vergonha que seu pai levaria ao túmulo. Enquanto a música estendia-se, Vitória entoou um choro descontrolado junto a berros que lhe doíam os próprios ouvidos. Soluçava, gritava, chorava num processo contínuo e a família parecia estática diante daquela cena. Enquanto seu rosto de boneca tornava-se a desfigurar com a maquiagem escorrida, os poucos parentes que restavam no salão procuravam uma forma de sair daquele constrangimento.
Foram retirando-se um a um, até que os berros da menina mandassem embora cada topete metido a besta. Foi levada ao quarto pelos braços de seu pai - o homem não escondia a felicidade que sentia com o término apressado da festa - que lhe disse baixo no ouvido: Em breve, vai precisar de um médico.
por Tainá Falcão
Vitória completava 15 anos no tradicional dia de sol radiante e céu limpo, no cidade de interior Santa Maria. Junto as flores artificiais colorindo o salão e o topete desaforado da mãe, o vestido “bufante” ainda era o mais recomendável para a ocasião. Os convidados transitavam pelo salão com certas peculiaridades. Tia Lucila e seu sorriso de plástico alegavam todas as cirurgias plásticas dos últimos anos. Verônica, uma prima distante, desfilava sob passos apertados e na ponta dos pés, vez ou outra deixaria um brinco ou um acessório de cabelo cair no chão e , com o propósito óbvio de seduzir seu primo Joaquim, remexia-se toda ao ponto dos seios sentirem-se apresentarem-se inquietos, soltos no bustiê vinho. O pai da anfitriã e seu charme Marlon Brandiano, lançavam olhares indiscretos às pernas torneadas de Alice, sua cunhada. Nem jonny walker disfarçaria sua cafajestice.
Chegada à hora do esperado “parabéns”, a menina e seus pais, centralizaram-se no estreito palco no meio do salão. Dentro de alguns instantes a situação tornara-se bizarra aos olhos de Vitória. Pessoas de todos os tipos, velhos e seus cachecóis, crianças e olhares travessos, parentes e seus sorrisos de botox, entoavam à canção sob o julgo de palmas que deixavam a menina desnorteada. Pensava em quão cômico haveria de ser aquela situação. Lembrou-se do vestido de noiva que sua mãe havia lhe dado à honra de guardar para usa-lo em seu próprio casamento.
- Mas que merda. Disse Vitória, quase que para que os outros a escutassem.
Se soubessem que estava grávida seria uma tragédia. Grávida de um rapaz que lhes serviu apenas para desvirginá-la. Nenhum compromisso formal, sentimental, nem se quer lembrava de seu rosto. Lembrava-se que era moreno e calvo mais nada.
Meio aquela confusão de palmas ensandecidas e sorrisos plastificados, a menina pensou em desabafar ali mesmo. Parar de vez com aquela palhaçada de bons desejos. Lembrou-se das missas aos domingos e da raiva que sentia por ter sido escolhida como coroinha da igreja. Não acreditava em uma só palavra daquele padre, sabia que boatos corriam que ele próprio era “virado na peste”, um bebum de primeira. Não acreditava no padre e muito menos naquela festa ridícula. Para ela, aquele era um dia comum, um dia como qualquer outro e a idéia de estar mais velha, grávida e coroinha da igreja a assustava. Não poderia mais portar-se como uma menina de 10 anos que corria para cama dos pais quando sentia medo do escuro. Agora era vistosa e seus quadris já apresentavam a idade que tinha - talvez fosse à gestação.
Fim da música e alguém inicia a cantiga religiosa onde se diz “a Vitória será abençoada porque o senhor vai derramar o seu amor” e todos erguiam as mãos em volta da menina que se parecia sufocada a ponto de revirar os olhos e suar frio. Que vontade lhe deu de berrar aos quatro cantos do salão: “Estou grávida, portanto calem essas bocas estúpidas! ”
Sabia que se descobrissem da gravidez antecipada, não seria mais abençoada, nem por Deus nem por ninguém. Sabia bem, que isto seria um pecado abominável aos olhos de todos e uma vergonha que seu pai levaria ao túmulo. Enquanto a música estendia-se, Vitória entoou um choro descontrolado junto a berros que lhe doíam os próprios ouvidos. Soluçava, gritava, chorava num processo contínuo e a família parecia estática diante daquela cena. Enquanto seu rosto de boneca tornava-se a desfigurar com a maquiagem escorrida, os poucos parentes que restavam no salão procuravam uma forma de sair daquele constrangimento.
Foram retirando-se um a um, até que os berros da menina mandassem embora cada topete metido a besta. Foi levada ao quarto pelos braços de seu pai - o homem não escondia a felicidade que sentia com o término apressado da festa - que lhe disse baixo no ouvido: Em breve, vai precisar de um médico.