domingo, 1 de julho de 2007

Encontros descartáveis

Certa vez ouvi alguém dizer que para deitar-se junto a alguém, deleitar-se no sono do outro, seria preciso muita cumplicidade, carinho mesmo.
Hoje quando peguei o vôo dormente de volta à cidade céu, sentou-se ao meu lado um senhor sem muito “Quê”. Não diria que me impressionou o bastante para dizê-lo interessante, pois, nem ao menos, lembro-me de seu nome.
Seus cabelos brancos não lhe negavam a idade. Com muito esforço me pareceu um jovem de espírito. Curiosamente, seus olhos azuis vasculhavam o livro que carregava em minhas mãos com a deficiente intenção de devorá-lo.
Sob uma tentativa de iniciar um diálogo permanente e enfadonho, perguntou-me se era nativa de Brasília.
Escapuliu-me um pensamento inconformado e contestador: - Brasiliense? . Não me refiro com desprezo aos candangos de Brasília, porém, aquela pergunta me despertou um sentimento de vasta solidão, a perda de minhas raízes. Como se em mim não existisse mais o cheiro do mar.
A melancolia que eu carregava no olhar, sob o julgo de um coração saudoso e entristecido pela partida, poderia me garantir um ar da capital. Todavia, indignei-me com tamanha audácia. A meu ver, os nordestinos carregam estampados no rosto, as raízes fugazes do sol a pino, de um verão constante, além da vivacidade de um olhar puro, sempre, perseverante.
Respondi-lhe com toda certeza – sou alagoana. Desfazendo o mal entendido.
Logo depois me caí num sono leve sob a cadeira desconfortável daquele avião dormente e como o vento roçando as flores em tempo de primavera, mechas assanhadas de meu cabelo deixaram-se cair, vagarosamente, sob os ombros daquele homem.
Quando retornei da penumbra de meus sonhos esquecidos, agora sem me lembrar da estupidez da pergunta daquele ao meu lado. Aquele que agora mostrava-se amavelmente perdido no aconchego de seus sonhos, visivelmente, carregados de paz. Recordei-me,então, da vez que uma cigana ensinava-me a chamar a atenção das pessoas pela força do olhar. Através desta força a cigana me disse que poderia transformar pedra em ouro. Nunca ousei usar desta espécie de Dom para dominar ninguém. Porem, agora me sentia no dever de perturbar o prazeroso aconchego do homem. Não por que guardo rancor, ou por ser orgulhosa. Apenas por estar confusa. Por lembrar de quando me disseram que para dormir com alguém seria necessário o mínimo de cumplicidade.
Até agora, não entendia que espécie de cumplicidade desenvolvera com aquele homem e seus sonhos adoráveis.
É hora do pouso. O senhor acorda e em seu berço de sonolência pede para esperarmos o restante das pessoas despacharem-se da nave. Disse-me que odiava esperar e, por conseqüência, deixou-me a esperar junto a ele, como se fossemos parentes ou amigos.
Já fora da aeronave, tentando apressar-me para fugir de qualquer expressão de amizade andei sob passos curtos e apressados. Ao chegar perto da esteira onde rodavam as malas, lembro-me bem daquele senhor de cabelos brancos perdendo-se entre outros milhares de senhores grisalhos e recordei-me da tristeza em meus olhos ao deixar o mar de minha cidade, do rancor em meu coração por enterrar minhas raízes vivas e da saudade que sentia, agora, pela ida vã daquele senhor que sob um gesto incompreensível, um tanto admirável, deleitou-se junto a mim e diante de sua face amável e seus sonhos adoráveis perdi-me num momento indecifrável de ternura.

por Tainá Falcão

4 comentários:

Minduim disse...

HOho... então a Srta também é blogueira!

Legalz... te confesso que agora agora na pressa li só as primeiras 10 linhas, mas voltarei pra ler com mais calma dos primeiros posts!


Beijikas

Unknown disse...

muito bom tata. adorei! :}
eu te amo beija flor! :*

Minduim disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Minduim disse...

E finalmente o ultimo post:


Oh, La passion... que de descartável nada tem. Brilho nos olhos. Medo. Recuo. Entrega orgulhosa (sono). Bilhares de coisas por segundo (sonhos). WAKE UP!! “Pô, e agora!?”.(...). Ele acorda! Aproveita os últimos minutos, mas sai com palavras na garganta. Ele, que tinha todo o brilho ímpar, perde-se no comum... e a tristeza confunde seu local de nascimento.