segunda-feira, 31 de março de 2008

Fim do romance inventado

No coração do poeta apenas se hospedavam romances de fim de festa, destes que acabam quando o sol já nasce. A leveza nas palavras e a firmeza nas mãos que tocavam corpos de cores diversas em noites em que mulheres juravam-se únicas na vida do amantes, era o que lhe tornava o melhor dos amantes. Ábia sentia um medo infantil de desprender-se daquele homem. Ameaçava debruçar-se em qualquer louco de coração ferido destituído da vontade de amar, apressando-se, apenas para um amor fingido quando lhe desse na telha.
Ela que não mais se encontrava em tardes alegres no parque, no refrescante mergulho no lago, nas flores coloridas que tanto gostava, começou a sentir o alvoroço das náuseas intestinais. A vontade absurda de amar a apenas um único homem era maior do que qualquer filosofia de vida barata que costumava pregar nos quatro cantos do mundo. Em desespero, resolveu respirar o ar da cidade calma. Como a mãe acolhe o filho miúdo nos braços, a calmaria das ruas lhe acalentava quando vinham as saudades de amores efêmeros.
No dia em que o poeta perambulava ruas a fora, procurando na singularidade da cidade esquisita a rima do ré com cré para um poema xulo, Ábia tomava-se de uma raiva que lhe fazia o sangue subir à cabeça. Pés e mãos encharcavam-se como cachoeira. Dentre as esquisitices que lhe surgiram, estava uma insônia insuportável. A todo instante se pegava vigiando cada passo de Gerald Novelliqué. Em pouco tempo, aquela admiração abusada tornou-se explícita. Novelliqué, já sufocado pela paixão da mulher, mudou-se de vez do apartamento. Primeiro foram-se os livros, depois o pó que sobrou deles.
No limbo da incerteza e da espera, Ábia preserva nos lençóis sujos o cheiro de noites adoráveis, os copos sujos de vinho e olheiras que aumentam com o passar de noites não dormidas. Dentro de si, havia corrompido tudo de mais verdadeiro por um amor apressado que lhe desgrenhou até o último fio de cabelo. Das lembranças que lhe restaram, havia uma úlcera no peito que incomoda quando o vento esfria.


por Tainá Falcão